Os novos saltos de produção precisarão ser conjugados com as demandas dos consumidores e avanços ambientais. Empresas e produtores já se movimentam para construir o agro do futuro
O mundo pode chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050. E isso tem tudo a ver com o agronegócio do futuro.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) apontou que, para que a humanidade chegue à metade deste século com produção suficiente e sem destruir o planeta, novos modelos de agricultura e de tratamento com o campo serão necessários. “Atualmente a agricultura, em muitos lugares, está usando água, terra ou fertilizantes demais”, escreve a FAO.
A boa notícia é que muitas empresas, agricultores, pecuaristas e organizações brasileiras já estão engajadas para mudar o agronegócio brasileiro para o futuro, como você conhecerá nas inovações mostradas abaixo.
1 – Integração lavoura-pecuária
As condições climáticas ideais com as quais o Brasil foi beneficiado já fazem com que os produtores muitas vezes consigam duas safras por ano, e ainda uma terceira, a chamada “safrinha”. Mas o trabalho do produtor de soja e milho José Mário Lobo, em Padre Bernardo, no interior de Goiás, mostra como o agro do Brasil é um laboratório de inovações.
Uma das principais fórmulas para o futuro da agropecuária, e que Lobo defende com vigor, vem da chamada integração lavoura-pecuária-floresta. Quando há intervalo entre as safras, ele usa a área da plantação para o pasto, fazendo rotação de culturas e plantando milho com capim (para reaproveitar e dar de comer ao gado) e outras plantas de cobertura para manter o solo saudável. Tudo isso com respeito à natureza e com custos iguais ou até menores do que nos modelos tradicionais.
“O produtor do futuro vai enxergar cada vez mais que não é só cumprir a lei. Há muito que a reserva legal em pé pode agregar na plantação”, diz Lobo, que aos 53 anos, é também pesquisador licenciado da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, onde ajuda outros produtores na tomada de decisão, e doutorando na área.
Como no caso do produtor de Goiás, a integração entre diferentes atividades e com os remanescentes de vegetação nativa já começa a ser disseminada em todo o país, inclusive como forma de cumprir as obrigações previstas no Código Florestal, que exige manutenção de parte da mata na propriedade.
Em vários pontos da fazenda de Lobo, a soja também já é colhida também sem aplicação de fungicida, com preferência por insumos biológicos. O agricultor aposta que o cuidado que produtores como ele têm para com o ecossistema e, por tabela, com a qualidade da safra, será crucial num futuro próximo, podendo inclusive trazer maior rentabilidade à sua produção. “Hoje não agrego valor na soja que eu produzo sem fungicida. Mas vejo que em dez anos isso vai chegar”, diz.
2 – Insumos naturais
Uma das apostas brasileiras para alavancar a produção do futuro é a chamada “rochagem” ou “pó de rocha”. São fertilizantes naturais, extraídos de rochas que contenham substâncias como potássio, calcário e magnésio, e capazes de devolver ao solo nutrientes perdidos.
A ampla diversidade geológica brasileira faz com que diversos tipos de rochas e nutrientes estejam disponíveis. O resultado é um solo mais saudável e produtividade na colheita, mas reduzindo o uso de químicos mais nocivos. “Estamos saindo de um cenário de degradação, em que a gente só retirava do solo, para um em que o estamos regenerando”, diz o engenheiro agrônomo Saulo Brockes, coordenador de Desenvolvimento Técnico e Mercado da FMX Tratto, empresa que comercializa fertilizantes do tipo.
A rochagem vem ganhando popularidade, não só pelo intuito ambiental: o egenheiro argumenta que uma nutrição que poderia chegar a 2.000 reais a tonelada cai para 60 reais com a rochagem. Em 2019, a Embrapa estima que foram 700.000 toneladas de produtos do tipo utilizados. “É sustentável e economicamente mais viável. Nosso segmento é o futuro”, diz Brockes.
3 – Economia de água e baixo carbono
O uso inteligente da água é uma preocupação sem precedentes para o futuro. E uma iniciativa feita pela Nestlé junto a produtores de café no norte do Espírito Santo mostra que ainda há muito espaço para melhorar. Medidas de otimização da irrigação junto aos fornecedores, aplicadas em parceria com a startup AgroSmart, levaram a redução de 60% no uso de água nessas plantações.
“Ou seja, em uma região de alta suscetibilidade à seca, metade da água usada não era necessária”, diz Pedro Malta, diretor de Agricultura da Nestlé Brasil. A empresa também tem projetos para a pecuária de leite com baixa emissão de carbono.
No passado, esse tipo de diálogo era muito mais complexo de ser feito, tanto dentro das empresas quanto junto aos produtores. As frentes de sustentabilidade, no geral, serviam apenas para garantir que o resto da empresa cumprisse o mínimo exigido pela legislação, lembra Cristiani Vieira, gerente de Sustentabilidade da Nestlé Brasil e que, como engenheira ambiental, passou por frentes de sustentabilidade em uma série de grandes empresas. “Era uma frente de comando e controle das outras áreas. Agora, é um diferencial competitivo.”
A Nestlé tem a meta de zerar as emissões de carbono até 2050. O debate não é só sustentabilidade, ressalta Malta, mas também de negócio. “Como um dos maiores compradores de café do mundo, é de nosso interesse que a plantação se sustente por décadas e séculos”, diz.
Em todo o Brasil, a busca por uma produção de baixo carbono cresce. Dados do Ministério da Agricultura apontam que, no segundo semestre de 2020, só a área agrícola financiada pelo programa de crédito ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) superou 750.000 hectares, alta de 47% desde o ano anterior.
4 – Rastreamento da cadeia
Com boa parte das grandes empresas fechando o compromisso de zerar emissões de carbono, transparência será a palavra-chave. E uma das referências nesta frente está na cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo: é lá que a startup Agrotools desenvolveu há mais de dez anos uma ferramenta brasileira de monitoramento por satélite capaz de acompanhar toda a cadeia das empresas.
Os serviços vêm sendo usados por uma centena de empresas, incluindo gigantes como JBS, McDonald’s e Carrefour, garantindo que a imagem das companhias clientes não seja contaminada por algum produtor irregular em suas cadeias.
Instituições financeiras também figuram no rol de clientes, com informações para que analisem risco de crédito, “conectando a Faria Lima ao campo”, diz o fundador Sergio Rocha. “O mundo conhece o agro brasileiro de uma forma distorcida, o produto brasileiro é sempre visto como pior porque não conseguia provar que era sustentável. Agora, vamos poder nos apresentar com a roupa certa”, diz.
Na JBS, uma das usuárias da ferramenta, compras são feitas diretamente de mais de 25.000 fazendas por ano, sem contar os fornecedores indiretos. Para monitorar tudo o que vem do campo, a empresa lançou junto à Agrotools uma plataforma em que os produtores que vendem para a empresa conseguem garantir também a origem dos produtos que eles próprios compram.
Acompanhar se a cadeia é crucial para que a JBS cumpra seu objetivo de zerar emissões de carbono até 2040, dez anos antes do estabelecido pela ONU. Fábio Dias, diretor de relacionamento com os pecuaristas, aponta que mais de 22% dos pecuaristas da Friboi, marca de carnes da companhia, também já usam a integração lavoura-pecuária, outra forma de reduzir as emissões. “É esse tipo de inovação extraordinária que o Brasil tem para mostrar ao mundo”, diz o executivo.
5 – Agricultura de precisão
O Brasil se tornou referência mundial na produção agrícola, mas ainda há muito o que melhorar. Só em soja, um dos tesouros da produção nacional, o empresário Alexandre Chequim, da startup Digifarmz, aponta que a média de produção é um terço das máximas já alcançadas (de cerca de 150 sacas por hectare). O Brasil, aponta ele, está produzindo muito menos do que poderia com a mesma área.
Chequim, que é neto e filho de produtores rurais, criou o que classifica como “Waze do agro”: uma ferramenta com recomendações como qual insumo usar ou como se adaptar a alguma variação específica do clima, guiando os produtores clientes de forma customizada do plantio até a colheita. Tudo isso sem a necessidade de ter sensores instalados em cada centímetro da lavoura.
São mais de 200.000 hectares sob gestão da Digifarmz, de pequenos a grandes produtores. Chequim diz que fazendas clientes já chegam a triplicar a produção com as soluções. Após quadruplicar sua área atendida e o faturamento na última safra, a Digifarmz vai entrar neste ano nas culturas de trigo e milho.
Como no caso da Digifarmz, o uso de técnicas — das mais básica às avançadas — de agricultura de precisão se multiplica no Brasil. Tecnologias como big data, geolocalização, automação e robótica são usadas para que o produtor possa acompanhar exatamente as condições de sua área plantada.
“Atender à demanda alimentar do futuro não pode acontecer com aumento de área, mas com mais alimento por área”, diz Chequim.
6 – Profissionalização dos pequenos
Na outra ponta, parte da agricultura familiar, que responde por 70% da mesa do brasileiro, segue majoritariamente à margem dos avanços do agro, com pouco crédito, acesso a tecnologia e qualificação. Uma pesquisa do Sebrae junto à Embrapa constatou que 95% dos produtores já tinham um smartphone, mas não conseguiam se apropriar dos recursos na produção. “A grande deficiência do país é que as micro e pequenas empresas têm baixa produtividade na comparação com outros países. No agro não é diferente”, diz Victor Ferreira, analista de Competitividade do Sebrae.
O Sebrae tem uma consultoria em que chega a arcar com 70% dos custos de consultorias a pequenos produtores em todo o país (a maioria faturando menos de 200.000 reais por ano). Os técnicos ajudam na aplicação de melhorias na produtividade, como uso de dados na plantação. “Isso já está acontecendo com grandes produtores, mas queremos levar para os pequenos e médios também”, diz Ferreira.
A profissionalização cada vez maior dos produtores brasileiros também passa pelas grandes empresas, muitas com esses agricultores sendo parte essencial de sua cadeia. A filial brasileira da Danone foi recém-nomeada uma empresa com certificação B — que consegue provar que o objetivo, além do lucro, é o desenvolvimento ambiental e social. Com o feito, metade do faturamento global da Danone vêm agora de negócios com essa certificação. O grupo Danone vai investir ainda 2 bilhões de euros para alcançar a neutralidade de carbono.
No Brasil, onde cerca de 70% da captação de leite da Danone no Brasil vem de pequenos produtores, um dos principais projetos da empresa no campo é ampliar a área de fornecedores com integração pecuária-floresta para 188 hectares, além de outros projetos de profissionalização dos fornecedores, reduzindo o êxodo rural, diz Cibele Zanotta, diretora de Assuntos Corporativos da Danone no Brasil. Ela acredita que, às grandes empresas, caberá o papel de puxar a fila. “É preciso usar nossa grande escala para quebrar os modelos atuais e criar novos”, diz.
Na cooperativa Coopercitrus, mais de 80% dos 37.000 produtores associados também são pequenos e médios. Mas já colhem os frutos de agregar valor a seus produtos. Fernando Degobbi, presidente da cooperativa, conta que pequenas produtoras de café parceiras, por exemplo, conseguem até dobrar o valor do produto ao primarem pela rastreabilidade e produção sustentável.
Mais de 420 técnicos e agrônomos da cooperativa rodam fazendas pelo Brasil para apoiar agricultores no aumento da produção, de piloto automático em tratores a ferramentas de big data. “São serviços para que o produtor tenha cada vez mais controle sobre o que está produzindo, e o consumidor lá na ponta tenha segurança do que está pegando no supermercado”, diz Degobbi.
Fonte: exame.com