Estudo da Embrapa publicado na Technological Forecasting and Social Change, revista internacional Q1, mostra que, quando o assunto é inovação, considerar a pluralidade entre atores de diferentes segmentos é fundamental. Resultado da dissertação de mestrado da analista de comunicação Raíssa Alencar, defendida na Universidade de Lisboa, o artigo Intertwining innovation and business networks for sustainable agricultural systems: A case study of carbon-neutral beef reforça a importância da integração entre diferentes redes para a sustentabilidade da agropecuária brasileira. Além dela, participam como autores os professores portugueses João Mota e Jose Novais Santos.
Raíssa se baseou no conceito Carne Carbono Neutro (CCN), protocolo criado pela Embrapa Gado de Corte (MS) para certificar um tipo de carne mais sustentável obtida a partir de animais criados em sistemas que integram lavoura-pecuária e floresta. A presença de árvores nos sistemas de criação neutraliza o metano entérico, exalado pelos animais e um dos principais gases causadores do efeito estufa (GEEs). A partir de uma parceria entre a Embrapa e a Marfrig, foi lançado em 2020, o primeiro produto comercial com o selo CCN: a marca Viva, uma nova linha de carnes com atributos de sustentabilidade.
O estudo desenvolvido pela analista se baseia em dois conceitos: o de redes de inovação, criadas deliberadamente para um fim específico e, portanto, pautadas pelo consenso entre seus membros quanto aos objetivos a serem alcançados; e o de rede de negócios, ou empresariais, que surgem das interações naturais que as empresas fazem entre si, com características evolutivas. No primeiro modelo, um dos atores assume um papel central na orquestração da rede. Já no segundo, há interações contínuas entre as organizações, sem que nenhuma delas assuma o papel de liderança.
A partir de revisões de literatura e entrevistas com representantes de diferentes setores que atuam na pecuária de corte no Brasil (Embrapa, produtores rurais, Marfrig, IBD,responsável pela certificação do produto, representantes de empresas de extensão rural, comunidade científica e instituições públicas e privadas), o estudo permite afirmar que o entrelaçamento entre os dois modelos de rede é essencial para levar de fato à inovação sistêmica sustentável. “Para isso, é preciso que a rede de inovação esteja em congruência com o core business da rede empresarial. Isso porque a disseminação na indústria de produtos ou processos inovadores sistêmicos requer sobreposição entre ambas as redes”, explica Raíssa.
Vale lembrar que por inovação sistêmica entende-se a capacidade de gerar e disseminar soluções que envolvam mudanças em atividades, recursos e rotinas de vários atores ao longo da cadeia de produção, tal como ocorre no caso da regeneração de sistemas agrícolas.
A ideia de utilizar o projeto Carne Carbono Neutro (CCN) como estudo de caso veio por sugestão do pesquisador Rafael Vivian, então conselheiro acadêmico de Alencar e atual Chefe-Adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF). Vivian foi um dos idealizadores do modelo de negócio da CCN que culminou no entrelaçamento das redes.
Segundo ele, “O uso de marcas ou selos de certificação é uma das formas de adicionar valor ao produto e assegurar a qualidade dos atributos requeridos pelo seu publico consumidor. A experiência inovadora da Embrapa ocorreu pelo brilhante trabalho coordenado pela pesquisadora da Embrapa Gado de Corte Fabiana Villa Alves e demais colegas, permitindo que pudéssemos usar esse modelo de negócio associado ao produto final. Para a Embrapa, acredito que modelos como esse são muito favoráveis, pois permitem demonstrar antecipadamente ao mercado, como a ciência pode contribuir para o crescimento e desenvolvimento econômico de um país ou região”.
Pluralidade nas redes favorece a inovação
O projeto Carne Carbono Neutro (CCN) caiu como uma luva para o estudo de caso pretendido pelo fato de ser uma rede de inovação, estrategicamente criada para desenvolver novas soluções tecnológicas. A crescente preocupação da indústria de carne bovina brasileira com a preservação do meio ambiente, as expectativas internacionais e a necessidade de atender às demandas futuras levaram diferentes atores a se unirem no projeto, que visava gerenciar rebanhos bovinos para mitigar as emissões de CO2.
A pesquisa aponta como cenário mais favorável à inovação a informalidade e a diversidade, considerando as especificidades e interesses dos diversos atores que atuam nas redes. Essa questão é ainda mais relevante quando se trata de sistemas integrados de produção, sujeitos a muitas adaptações e experimentos em diferentes biomas, com o objetivo de aumentar a produtividade agrícola sem descuidar de melhorias na sustentabilidade ambiental.
A história e a natureza das relações entre as organizações envolvidas com os sistemas ILPF deram suporte ao surgimento de variantes nas combinações de recursos e atividades, garantindo inovações no processo. O relacionamento próximo entre as Unidades da Embrapa e os pequenos produtores, por exemplo, foi fundamental para criar um contexto mais favorável na experimentação e implementação de práticas ambientalmente e economicamente mais sustentáveis.
Contribuição para formulação de políticas públicas
As conclusões do estudo subsidiaram políticas públicas voltadas à sustentabilidade dos sistemas agropecuários, a exemplo da definição da estratégia global do Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+), a ser executado de 2020 a 2030. Destacam, ainda, a necessidade de estimular iniciativas de inovação que considerem múltiplos contextos simultaneamente.
Inovar em sistemas agrícolas envolve uma pluralidade de atores em interação. “Nosso estudo reforça que a mobilização dos agricultores como intermediadores do conhecimento é vital para a inovação em formas sustentáveis de agricultura. No contexto de sistemas agrícolas integrados, diferentes atores podem desempenhar o papel de agentes de inovação e adaptar as tecnologias existentes para diferentes contextos. Quanto maior e mais ampla for a implementação de práticas inovadoras, maior será a sustentabilidade econômica, ambiental e social”, conclui Raíssa.
Fonte: embrapa.br