Conhecido como CAR, documento certifica que proprietários estão regulares com o Código Florestal. Estudo foi realizado pela Climate Policy Initiative (CPI), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Apenas 3,3% das análises do Cadastro Ambiental Rural (CAR) foram concluídas desde a implementação da lei, em 2012, aponta relatório do Climate Policy Initiative (CPI), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), obtido com exclusividade pelo g1.
- Por que isto é um problema? O cadastro serve para o governo verificar se os donos de terras estão cumprindo as regras do Código Florestal, que barra o desmatamento ilegal e exige a preservação de vegetação nativa.
Os proprietários que não possuem o CAR podem ter a sua imagem como empresa rural manchada, uma vez que o documento comprova a sua responsabilidade ambiental, principalmente no que se diz respeito à adequação a mercados internacionais.
Apesar de se tratar de uma lei federal, a responsabilidade das análises é dos estados e não existe um padrão: em alguns estados há a análise automatizada e em outros, funcionários verificam caso por caso. Em pelo menos 3 estados, não existe nenhum CAR finalizado.
Desde 2012, foram feitas 7,65 milhões de inscrições no CAR e, até novembro, somente 252.144 análises foram finalizadas. Ou seja, não foi possível checar se os proprietários passaram informações verdadeiras.
No cadastro os donos precisam informar, por exemplo, se há rios na propriedade, quanto da área foi preservada, quanto é de lavoura, entre outros dados que precisam ser documentados por mapas ou plantas, por exemplo.
Pequeno avanço em 1 ano
Apesar do baixo número de cadastros concluídos, houve uma alta de 30% em relação ao número de análises finalizadas apontado no relatório anterior, divulgado em dezembro de 2023.
O levantamento de 2024 também mostra que, pela primeira vez, todos os estados iniciaram o processo de análise dos cadastros.
Cerca de 1,1 milhão de CARs já tiveram a análise iniciada, enquanto o restante das inscrições não começou a ser verificado.
A situação varia de acordo com cada estado.
- Análise iniciada: São Paulo é o estado com mais inscrições em avaliação: são 388 mil, cerca de 90% do total dos cadastros no estado. O Pará aparece em segundo lugar, com 236 mil análises iniciadas, correspondentes a 72% dos cadastros da localidade.
Por outro lado, 9 estados têm apenas 1% ou menos das suas inscrições em fase de análise. São eles: Roraima, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Tocantins.
- Análise finalizada: no Rio Grande do Sul, em Roraima e em Pernambuco não tem nenhum CAR concluído.
Entre os estados onde isso já aconteceu 12, além do Distrito Federal, não ultrapassaram 1% do total dos cadastros. É o caso de Amazonas, Tocantins, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e o Piauí.
Espírito Santo e São Paulo são os estados com o maior número de cadastros com análises finalizadas, 78 mil e 77 mil, respectivamente.
Quais são os obstáculos
Apesar de ter sido lançado há 12 anos, o CAR ainda enfrenta muitas dificuldades na implementação. Confira a seguir algumas delas.
- Falta de comunicação com o proprietário: após os proprietários fazerem a inscrição no CAR, os estados analisam as informações, para verificar se o que foi dito corresponde à realidade. Depois a análise é devolvida ao dono da terra que pode concordar ou contestar a conclusão.
O problema é que muitos produtores acabam não verificando se houve um retorno referente ao seu cadastro e, sem a confirmação deles, o estado não pode concluir a análise, explica Cristina Leme, gerente sênior de pesquisa do CPI/PUC-Rio.
Ela reforça que seria importante ter uma campanha para que os proprietários revisitem os seus cadastros, a exemplo do que aconteceu no passado para incentivar a inscrição.
O estado de São Paulo, por exemplo, conseguiu avançar nas conclusões depois de instaurar uma lei que permite que a confirmação do dono da área seja exigida apenas quando há irregularidades. Caso contrário, o sistema já considera a análise finalizada.
- Falta de base de dados: um dos pontos importantes para a análise é o estado ter mapas que mostrem como era a área de cada propriedade até 2008, quando se iniciou o Código Florestal. Isso é fundamental para a checagem das informações apresentadas pelos donos de terras.
No início do CAR, reunir essas informações foi um dos pontos que retardou o processo e ainda hoje é uma questão a ser melhorada. É preciso ter mais tecnologia para obter imagens de satélite, com boa resolução, assim sendo possível entender onde houve ou não desmatamento ilegal, explica Joana Chiavari, diretora de pesquisa do CPI/PUC-Rio.
“Os produtores não têm necessariamente acesso às mesmas bases que hoje os estados têm para fazer essa análise. Então, às vezes, ele declarou informações inconsistentes, não por má-fé, justamente porque ele não tinha como declarar corretamente, porque não tinha acesso a uma boa base”, explica Leme.
O Mato Grosso, por exemplo, lançou o CAR Digital. Se trata de um sistema que compara com os próprios mapas a área que o produtor cadastrou e coloca na inscrição as informações que faltaram. Caso seja detectada alguma inconformidade com a lei, o proprietário pode contestar usando provas de que o sistema está errado.
- Ausência de equipe e tecnologia: para que as análises aconteçam é importante que haja equipes que as realizem, bem como tecnologias que agilizam o processo. Para isso, os estados precisam de recurso para investimento.
Nos locais onde houve um grande avanço das análises, as pesquisadoras observaram justamente uma consolidação destes dois pontos.
“A gente observa que os estados que mais avançam nas análises são aqueles que têm múltiplas estratégias, ou seja, uma equipe técnica dedicada e, muitas vezes, a terceirização da análise com consultoria”, diz Chiavari.
- Embate de leis: estados que fazem parte do bioma Mata Atlântica enfrentam um problema de legislação. Comparada ao Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica possui regras mais rigorosas em relação ao desmatamento, diz Cristina Leme. Essa lei entrou em vigor dois anos antes do Código Florestal, que regulariza todos os biomas.
Por isso, iniciou-se o debate de o que seria exigido para a regularização do CAR: que o proprietário estivesse em dia apenas com o Código Florestal ou preservasse segundo os parâmetros da Lei da Mata Atlântica.
Como fiscalização do CAR é feita pelos estados, cada um acaba decidindo o que deseja aplicar. No Paraná, ficou-se estabelecida a década de 90 como ano-base para analisar se a área foi desmatada ou não.
No estado, por exemplo, uma medida judicial paralisou por um ano as análises do CAR. A decisão de qual data será utilizada ficará para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Caso prevaleçam as regras da Mata Atlântica, os proprietários precisariam restaurar as áreas, ainda que estivessem em conformidade com o Código Florestal (que estabelece 2008 como parâmetro para preservação), explica Leme.
FONTE: g1.globo.com